por: Paramahansa Yogananda
A questão do consumo da carne e do vegetarianismo é assunto
muito complicado e controverso, por isto vou apresentar os vários argumentos
oferecidos pelos seguidores dos “cultos” dos açougueiros e dos vegetarianos, e
acrescentar no fim, se possível, minhas próprias opiniões a respeito de ambos.
O que direi será governado pelas necessidades atuais do mundo, e acredito que nunca
poderá ser dada uma visão absoluta, que seja boa para todos os tempos e para
todas as pessoas:
A origem do consumo de carne
Ao ver o peixe grande comer o peixe pequeno, a lagartixa
recém-nascida pular sobre o pequeno inseto e engoli-lo, e o tigre e o leão,
mais fortes, caçarem animais menores, o homem viu nisto o dedo indicador da
Natureza, e começou a comer a carne de animais que satisfaziam o seu paladar.
O elefante e o rinoceronte são tão fortes quanto o leão e o
tigre, e apesar disto são vegetarianos. O homem aprendeu a comer vegetais e
desenvolveu o instinto de alimentar-se de vegetais ao ver as criaturas da
Natureza que também consomem vegetais.
Como encontramos, no seio da Natureza, mais animais
carnívoros do que vegetarianos, também vemos pessoas sobrevivendo mais de carne
do que apenas de vegetais. Muitas pessoas dizem que comer carne produz câncer e
diminui o tempo de vida. Eu acredito que o consumo excessivo de carne tende a
produzir mais doenças do que o consumo excessivo de vegetais.
O elefante e a tartaruga, que consomem vegetais, vivem por
muito tempo. As vacas comem vegetais, porém morrem cedo; cães comem vegetais,
mas também comem uma quantidade maior de carne, e vivem pouco tempo também. Os
crocodilos comem frugalmente carne e jejuam por longos períodos de tempo, e
vivem até 600 anos ou mais. Sabe-se que alguns iogues que comiam vegetais e que
conheciam a super-arte de viver, viveram mais de 600 anos.
Longevidade não depende somente de alimentar-se
corretamente, mas também de se respirar menos, de não sobrecarregar o coração,
da eliminação apropriada, do controle da força sexual e do correto
recarregamento do corpo a partir da Fonte Divina.
A interdependência da vida
No seio da Natureza, vemos que os vegetais consomem os
elementos químicos do solo, e as aves, os animais e os seres humanos comem
vegetais e animais. Os vegetais gostam de fertilizantes de origem animal, como
o sangue seco e os ossos de corpos animais em estado de putrefação, enquanto os
animais comem a carne humana. Seres humanos comem animais, vegetais e elementos
químicos do solo através da comida e dos remédios; a grande e velha Terra está
sempre faminta e é canibal, uma vez que de seu útero vêm todos os elementos
químicos que compõem os seres vivos, e em seu grande estômago devorador todos
vegetais, animais e humanos devem retornar. Isto mostra que a Terra voraz, os
vegetais, os animais e os seres humanos são ao mesmo tempo vegetarianos e
carnívoros.
As diferenças entre vegetais e a carne
Vegetais e animais são diferentes apenas no grau de
manifestação da vida. O Prof. J. C. Bose, da Índia, provou que os vegetais têm
um sistema nervoso que responde a um estimulo favorável através do prazer, e a
uma influência desfavorável através da dor. Eles têm batimento cardíaco, sistema
circulatório, pressão da seiva e uma vida central, em certas células das raízes
– o cérebro dos vegetais. Ampute um dedo seu e você não morrerá, corte um galho
e a planta não morrerá, mas remova o cérebro humano e o corpo que o continha
morrerá, exatamente como ocorre quando se corta a raiz de uma planta: ela
morre.
Assim como os animais respondem a certos tratadores, os
vegetais crescem em abundância sob certas vibrações humanas benignas, e
definham ou crescem pouco quando cultivados por pessoas com vibrações erradas.
Pode-se anestesiar uma planta, fazer com que sinta prazer ou dor, ou até
envenená-la e matá-la. Cortar a cabeça de uma couve-flor é o mesmo que cortar a
cabeça de um carneiro. Instrumentos de precisão desenvolvidos pelo Prof. Bose
nos mostram a dor e a agonia da morte em plantas torturadas ou moribundas. Um
pedaço de estanho pode sentir prazer ou dor, e pode expressar suas emoções
através de instrumentos sensíveis feitos pelo homem. A couve-flor abatida só
pode expressar sua agonia pré-morte através dos instrumentos do Prof. Bose. Os
metais e as plantas torturados não podem falar. Alguns peixes expressam sua
agonia através de um grito agudo e curto. Aves e animais manifestam seus
problemas através de diferentes sons específicos. O homem se aproveita do fato
de que ele não entende a linguagem dos animais e os mata contra a vontade
deles.
O homem civilizado não tem direito de matar os animais ou os
silvícolas, somente porque não entende a linguagem deles. Mas, do ponto de
vista de resposta a dor, o homem é a manifestação mais sensível da vida. Depois
do homem, segundo a sensibilidade, vêm os diferentes graus de animais, peixes,
plantas e minerais. O carneiro e o frango, quando estão sendo mortos, sofrem
menos do que os animais que resistem e se ressentem, como o boi e o porco. A
maior parte dos peixes desistem rapidamente quando estão sendo mortos.
Não há dúvida de que o ser humano possui o sistema nervoso
mais sensível, através do qual ele recebe e responde a estímulos na forma de
prazer ou dor. Os animais são bem menos sensíveis e sentem menos dor e prazer.
O animal, sendo menos sensível do que o homem, sente menos dor do que os seres
humanos durante a morte.
O sistema nervoso das plantas é bem menos desenvolvido do
que o sistema nervoso dos animais. Os minerais são menos sensíveis a estímulos
do que as plantas. Uma martelada pode matar uma planta, um animal ou um homem,
mas não consegue facilmente extrair a Força Vital de um tenaz e menos sensível
metal. No entanto, por meio de repetidas batidas, até mesmo os metais perdem
sua tenacidade ou atributos da vida. Portanto, do ponto de vista da expressão
através de sons e da sensibilidade do sistema nervoso, pode-se dizer
racionalmente que o homem sofre mais quando é morto; que o boi sob o machado
sofre mais do que o carneiro ou o frango, que o peixe sob a faca sofre menos do
que o carneiro, e que os vegetais, quando comparados, sofrem muito menos do que
o peixe, os animais e o homem.
O canibalismo não existe apenas entre os homens, mas também
entre as plantas, as aves e os animais. Lobos comem lobos. Os indígenas Jivaro
comem seus prisioneiros de guerra e poupam o custo de manutenção e de despesas
com a compra de carne. Eles encolhem as cabeças de seus inimigos prisioneiros
até o tamanho de uma bola de tênis e as guardam como troféus de guerra, assim
como caçadores penduram a cabeça dos animais que eles mataram.
O consumo de carne obviamente não pode ser condenado sob o
ponto de vista de ser um ato de matar, porque o consumo de vegetais e frutas
também envolve a retirada da vida; o que é palpável é que a matança de animais
desperta muito mais a nossa consciência e sensibilidade humanas do que a
matança de vegetais e o descascamento e a mastigação das frutas. A maior parte
dos consumidores de carne bovina desistiriam de comer carne se tivessem que
matar os animais para obtê-la; mas nenhum vegetariano se importaria em
descascar os vegetais e cortar as cabeças das cenouras ou de qualquer outro
vegetal. O fato de que a matança de animais implica derramar sangue e produzir
dor demonstra claramente que os animais são parentes próximos do homem e estão
se aproximando dele na escala evolutiva.
Os vegetais não gritam de dor nem derramam sangue quando são
mortos. Do ponto de vista da sensibilidade humana, podemos dizer que é menos
dolorido matar um vegetal do que um animal. As almas adiantadas hesitam até em
remover as cabeças das rosas de seus corpos vegetais que florescem em jardins
domésticos, da mesma maneira como as outras almas odeiam matar seus animais de
estimação para obtenção da carne.
Carne é alimento concentrado e é fortalecedora, mas é também
altamente constipante e age como retentora dos venenos corporais, sendo assim
precursora de doenças. Os vegetais têm de ser ingeridos com mais paciência e
não são tão concentrados quanto a carne; por isto a ingestão inapropriada de
vegetais não é boa fonte de energia. Frutas e vegetais, tendo um efeito
laxativo natural, favorecem a saúde e a eliminação das doenças.
Os iogues da Índia opõem-se à ingestão de carne, enquanto os
seguidores do Tantra advogam seu uso. As nações que comem carne são, em geral,
politicamente livres. A Índia é vegetariana e não tem sido forte o suficiente
para dispersar invasões estrangeiras. Os americanos estão sofrendo de obesidade
devido ao consumo exagerado de todos os tipos de proteínas, como por exemplo
carne, leite e nozes. Os americanos deveriam se tornar vegetarianos. Hindus
quase não têm proteína para comer e, por causa do fanatismo, abusam das dietas
em que predomina o amido e, assim, morrem cedo e magros. Na Índia, os animais
vivem mais do que os seres humanos.
Apenas como um meio para um fim, ou como medida temporária,
a Índia atual precisa comer carneiro, bodes e aves até que possa conseguir
leite e substitutos da carne em quantidades suficientes. A vida espiritual
hindu, mesmo que sustentada pelo consumo de carne, faria mais benefício ao mundo
do que a dos animais mudos, aos quais se permitem viver sem fazer nada. A vida
humana é mais valiosa e útil a todas as criaturas do que a vida de qualquer
animal. Se uma escolha tem de ser feita entre um ser humano comer carne para
sobreviver ou morrer sem comer carne, e os animais sobreviverem e não serem
comidos pelos homens, eu diria que os homens deveriam sobreviver às custas dos
animais.
Ninguém pode escapar. Os animais são sacrificados contra
suas vontades para alimentar o homem; este, então, contra sua vontade, tem de
morrer para que sua carne recomponha os elementos químicos da Mãe Terra. Um
bilhão e meio de pessoas multiplicado por 44,6 quilos de elementos químicos,
que são retirados da terra em forma de vegetais a cada sessenta anos para
alimentar as pessoas, devem, a um intervalo de cerca de sessenta anos, ser
devolvidos ao solo para sustentar a saúde da Mãe Terra. Se os corpos de um
bilhão e meio de pessoas, ao invés de se misturarem com o solo, evaporassem no
éter a cada sessenta anos, então ao final de alguns milhares de anos, a Terra
ficaria fraca e infértil, seria apenas um torrão desértico, habitado por seres
humanos sempre-crescentes e devoradores como formigas.
Testes químicos que introduziram sangue de certos animais em
seres humanos, mostram que algumas pessoas podem comer apenas a carne de certos
animais. Esse é um meio científico moderno para demonstrar quais carnes
específicas se harmonizam com cada indivíduo. Igualmente, nem todas as frutas e
vegetais são apropriados para todas as pessoas. Algumas frutas causam alergias
em certos indivíduos. Algumas pessoas ficam doentes quando comem cebola. Batata
às vezes causa constipação. Algumas pessoas ficam muito doentes quando comem
carne bovina, e outras sofrem de azia ao comerem frango. A maioria responde
favoravelmente à ingestão da carne de carneiro. Descobriu-se que carne de
carneiro é mais compatível com os elementos químicos dos seres humanos, do que
qualquer outra forma de carne.
Em locais frios, como o Alasca, as pessoas bebem óleo e sangue
de foca para se manterem aquecidas. Elas vivem de carne de peixe, foca, caribu
e morsa. Assim como algumas pessoas comem vegetais e frutas secas, os esquimós
comem carne seca quando um suprimento de fresca é difícil de se encontrar.
Dizem que muitos esquimós morrem de tuberculose devido ao frio intenso. Algumas
pessoas dizem que eles morrem devido à sua dieta de carne, enquanto outras
acham que suas mortes prematuras devem-se ao fato de quererem viver a vida
não-natural do homem branco.
Descobrimos através de estudos que ambos, vegetarianos e
consumidores de carne, podem viver vidas saudáveis e longas. Jesus, Buda e São
Francisco comiam carne, enquanto Shankara, Chaitanya e muitos santos crísticos
da Índia não comiam carne. Em uma visão, São Pedro viu alguns animais e uma voz
pediu que ele os matasse e comesse. O mandamento “Não matarás” destinava-se aos
homens, não aos animais. Moisés e Jesus, ambos comiam carne, e foi Moisés quem
transmitiu os dez mandamentos.
A vida se desenvolve de maneiras diferentes, nos seus
diferentes estágios. Manifesta-se nos minerais, mas seus tecidos são duros e
têm de ser reduzidos a pó e condicionados antes que possam ser absorvidos pelo
organismo humano. Os minerais são emulsificados e transformados em forma
orgânica na vida de vegetais para que possam ser consumidos pelos organismos
menos duros de outros vegetais, animais e seres humanos. Os tecidos vegetais
são macios, mas raramente mostram a presença de um forte sistema central, e
quando os vegetais são abatidos com facas, eles nunca gritam de dor ou derramam
sangue. Seu sangue é um fluido branco viscoso chamado seiva.
A vida desenvolve os tecidos de um peixe em tecidos mais
complexos do que dos vegetais. A carne de peixe é em geral branca. Peixes têm
sangue e um sistema nervoso, mas poucos peixes fazem qualquer som ou protestos
quando são mortos. A vida evolui ainda para formas mais complexas de animais,
portanto seus tecidos são diferentes do peixe. Animais protestam em voz alta
durante o processo de matança. O boi e o porco, tendo sistema nervoso bem
desenvolvido, sentem muita dor durante o processo a que são submetidos e
protestam em alto e bom tom a qualquer tentativa que se faça de matá-los. Eles
protestam mais violentamente do que o carneiro. Isto mostra que embora os
animais não possam conversar inteligentemente como os humanos; ainda assim são
evoluídos o suficiente para protestarem através de sons, que estão sentindo dor
e não querem ser mortos.
O homem não é morto e consumido por outros homens, com
exceção em tribos primitivas de canibais, porque ele pode protestar contra seu
assassinato através de sons inteligíveis. Os homens não pensariam em matar
animais se estes pudessem protestar contra a matança através da linguagem
inteligível ou escrita perante um tribunal. Embora cães sejam consumidos em
algumas partes do mundo, ainda assim ninguém pensa em matar um cão de estimação
inteligente, quase humano, para servi-lo como repasto na mesa dos homens
glutões. Assim, fica evidente, do ponto de vista do protesto sonoro, que o
homem é a primeira criatura a recusar a matança e, portanto, não deve ser
morto.
Em seguida vêm os touros, bois, vacas, porcos, entre outros,
que protestam alto o bastante que não querem ser mortos – que têm a mente e a
consciência evoluídas o suficiente para perceberem o amor pela autopreservação
e a injustiça no ato de se infringir dor, e portanto não devem ser mortos.
Parece que os mudos vegetais, peixes e animais mansos foram intencionalmente
dotados pela Natureza de um sistema nervoso menos desenvolvido, que não
registra tanto a dor nem provoca protestos na forma de sons durante a dor. Essa
talvez possa ser uma das razões pelas quais essas formas menos desenvolvidas
foram criadas para serem sacrificadas em prol da manutenção das formas de vida
mais evoluídas.
(Título original: “Meat Eating versus Vegetarianism, by
Swami Yogananda”, publicado na revista East-West, abril-maio de 1935.)
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